Liderança? Pode ser que você não queira liderar ninguém…

Ser um Líder é muito difícil.


Eu normalmente costumo criar publicações que incentivam ou tentam facilitar a vida de quem resolveu trilhar certo caminho. Porém, não é raro eu me deparar com algumas contra-dicas que, no lugar de incentivar, ajudariam mais ao sujeito a largar determinado caminho.

Igual a questão do “foco” sobre a qual escrevi recentemente. Foco, a bala de prata para curar todos os males“…

Uma das temáticas que mais possuem “contra-dicas” é a tal da liderança. Nem todo mundo quer ser um Líder, nem todo mundo deveria aspirar ser um Líder. Eu conheço muita gente que não quer nada com isso. E não existe nenhum problema nisso.

A Pressão Para Liderar

Curiosamente, eu li em um artigo sobre carreira que há 200 anos atrás, todo mundo era empreendedor. Não havia necessidade de líderes dentro das empresas: um ferreiro produzia quanto achava que devia sem nenhum gestor. Creio que funcionava.

Em algum momento, empresas passaram a comprar o tempo das pessoas. Estas deixaram de empreender e passaram a trabalhar em carreira. Em algum momento, os mais talentosos ganhavam mais e eram colocados para instruir os menos talentosos.

Porém, nem todos os talentosos eram também bons coordenadores e gerentes. Então alguns iam melhor que outros. A estes seres mais raros, em algum momento, foram denominados líderes. Eles conseguiam fazer seus respectivos times serem melhores do que eles eram nas suas atividades. Porém, isso era meio que uma coisa da pessoa.

Como era raro, passou a ser bem pago. E todo mundo passou a desesperadamente querer isso, tendo nascido para aquilo ou não.

A historinha não é exatamente assim, mas é algo por aí. Antes vamos a um pequeno quizz: você é um gerente em empresa e recebe ordens de cortar pessoal. Você faz suas avaliações, chega no derradeiro dia e comunica o sujeito. Seu sentimento é:

  • Apesar de não estar feliz com isso, vai assumir escolha foi sua. A companhia determinou um corte, mas foi você, o gestor, quem teve que escolher quem. Independente da forma como comunique, se vai explicar ou não, assume a responsabilidade.
  • Você acha isso um absurdo, afinal, a decisão não foi sua, e diz que foi algo da companhia. Infelizmente a companhia forçou você a escolher alguém e você escolheu a pessoa que está ali. Mas não havia nenhum motivo especial para isso.

Cada um sabe sua resposta. Goste ou não goste. Uma das maiores frases que eu ouvi sobre liderança foi:

Na primeira vez que você delegar a responsabilidade para cima, você perdeu sua liderança.

Liderar é assumir responsabilidades. É verdade, eu repito, na primeira vez que você delegar sua responsabilidade. Pronto. Você perdeu sua moral como líder. Agora imagine a hora de pedir para o time horas extra, de criticar uma entrega, negar um aumento ou dar aumento a apenas uma pessoa… Quem respondeu a segunda opção, tende a procurar se isentar destas decisões também.

Talvez liderança não seja para você. E pode ser que você não seja culpado por ter esse desejo incontrolável por assumir cargos de liderança…

O Culto à Liderança

Origens

Vender a ideia de que liderar é bom não é novidade. Pelo que eu andei estudando e é um pouco difícil achar publicações e artigos científicos mais antigos, a coisa toda começou em algum momento durante a segunda guerra mundial. É até fácil de imaginar o porquê.

É complicado levar gente para um lugar em que elas podem morrer ao seguir ordens. Óbvio que isso acontecia na guerra. Passou-se a estudar sobre esse efeito que algumas pessoas ou até mesmo alguma figuras históricas tinham. Surgiram estudos de todo tipo sobre o que se chamou de liderança, com bases em elementos de psicologia, filosofia, religião e por aí vai.

O ponto mais comum é que a liderança é um lugar isolado: quem toma a dianteira de algo tem sempre a amargura de ser o pioneiro. Então estes estudos normalmente concluem que nem todo mundo tem perfil para lidar com isso e continuar mantendo seu bem estar. Mas uma coisa estes estudos também concluíram: o líder consegue coisas que chefes comuns não conseguiam.

A Aplicação da Liderança

Muito rapidamente, ainda no período da segunda guerra, alguém muito inteligente (esse cara merecia o respeito de todo mundo, sério, foi um gênio) pensou em aplicar a Liderança nos negócios. E o raciocínio é óbvio: se um líder consegue levar alguém a enfrentar a morte numa batalha, será que não consegue levar alguém a trabalhar por um baixo salário? Ou, melhor ainda, trabalhar mais por salários menores?

E foi aí que a Liderança virou um meio de otimizar recursos e aumentar o ganho de capital. Nem toda empresa quer um líder formador de pessoas. Eu, uma vez, ouvi uma definição de liderança cruel, mas que foi muito bem utilizada e colocada:

Do jeito que as empresas são e estão, bom líder é aquele que mantém profissionais com alto desempenho por salários menores que o do mercado.

Quer fazer um teste? Pergunte ao seu chefe:

O que eu preciso fazer para ser promovido e aumentar meu salário?

A resposta vai ser perturbadora se o seu chefe é apreciado apenas por lhe manter funcionando com um salário ruim (ver nota a seguir). Em outras palavras, a empresa não vê liderança como um meio de criar profissionais melhores, mais eficientes e felizes, mas sim, como um meio de manter os custos baixos.

Ainda não acredita? Pode observar que em qualquer curso de liderança, tem um tópico constante:

Motivação e Dinheiro não andam juntos.

Por quê, eu pergunto? Porque o consumidor destes cursos (quem vai pagar) é quem quer reduzir os custos; é bom a temática satisfazer a este sujeito.

A propósito: eu só concordo com essa distinção entre motivação e recompensa para os altos salários: pergunte para as pessoas que ocupam os cargos de melhores salários se elas não seriam mais felizes ganhando o dobro e eu garanto que seriam sim. Salário é tão eficiente motivador que sei de gente se vende até a dignidade por ele.

Nota: Qualquer resposta diferente de um plano concreto é mera desculpa para a realidade: você só aumentará seu salário se estiver de saída. Eu comento muito a este respeito no Autodesenvolvimento, que é o conceito de trabalhar bem e exigir ser recompensado de acordo.

A Comercialização da Liderança

A ideia de ter gestores inspiradores que mantém o custo baixo obviamente pegou. Foi oferecer doce às crianças: laçou principalmente quem tinha o dinheiro de contratar “consultores em liderança”. Manter os custos baixos com alto índice de produtividade é algo que consultores adoram vender e todos os empresários estão totalmente dispostos a pagar por.

Liderança se tornou um produto que tem vendedor e consumidor. Por isso você vê por aí um caminhão de investimentos em formação de líderes dentro das empresas com o objetivo principal de treinar pessoas em manter funcionários motivados pelo menor custo.

Em algum momento, isso espalhou. Afinal, alguém transformou a liderança em um assessório, em que com curso e coach, qualquer um pode virar líder.

Eu lembro de que no meu colégio tinha colegas que faziam um tal “curso de liderança para jovens”.

Eu olhava aquele povo e, na “profunda” sabedoria da minha adolescência, não reconhecia nenhum trato dos “líderes” dos livros que eu lia (eu já gostava de biografia de figuras históricas e jogava muito Civilization). Curiosamente, nenhum destes colegas chegou a exercer qualquer cargo de liderança…

Essa ideia de que qualquer um pode ser líder eventualmente também ganhou as empresas. E agora todo mundo tem que querer liderar. Já vi pedirem liderança até para estagiários.

Mas e você, quer ser um Líder?

O Problema do Modelo

O problema deste modelo são engenheiros, cientistas da computação, analistas de sistema, ou seja, gente que trabalha com tecnologia. E gosta. Ou os desenvolvedores, a quem tanto me refiro. Desenvolvedores, às vezes, mudam de emprego para não serem promovidos.

Aqui faço um parêntese: se alguém fora da área de tecnologia acha que é incabível alguém não querer ser gerente ou atuar como “líder”, tem uma outra categoria de profissional que, muitas vezes, faz de tudo para não ser promovido: médico. Médico não quer atuar com burocracia, quer cuidar de paciente. Tanto médico não gosta de ser promovido que foi criado um curso de Administração Hospitalar.

Bom, é nessa mesma linha que existe este artigo: “Good engineering managers aren’t just hard to find — they don’t exist

Então se criou um buraco enorme dentro das empresas. Existe muita gente que não quer e não pretende liderar. As empresas precisam de alguém para isso. Aí colocam o primeiro sujeito que se dispõe, ou, pior ainda, o que vai ficando no caso de empresas que só querem desenvolvedor trabalhando por esmolas…

E não tem nada de errado em não querer liderar, que fique claro. Então, se você não quer liderar ninguém, não lidere.

A pergunta de cada um…

Este é um ponto delicado. Primeiro você deve se perguntar: por que diabos vai querer ser um líder?

Eu tive a minha resposta. Ela começou assim:

Porque eu acho que alguém precisa se preocupar em COMO estamos trabalhando.

Essa resposta veio quando eu montava uma wiki para documentar dados de um projeto. Eu e um colega estávamos sozinhos naquilo. Não havia restrição do nosso chefe naquela época. Honestamente, até houve incentivo, mas em nenhum momento nos foi cobrado como algo importante. O que começou como uma preocupação burocrática, foi crescendo em tamanho até o ponto em que a resposta veio:

Porque eu quero ajudar mais aos outros fazerem mais do que eu consigo fazer sozinho.

E liderar, basicamente, é pensar nos outros. No livro O Monge e o Executivo isso é definido como amor. Eu já defino isso como sendo um ideal, no meu caso, de ver as os desenvolvedores funcionando na melhor de sua performance.

A Liderança é um Lugar Solitário.

Liderança é uma qualidade que não depende só da boa vontade do líder, depende também dos liderados e que não pode ser vendida como mercadoria como se fosse um plugin. Eu costumo usar o conceito de errar sozinho ou em grupo: é muito reconfortante cometer o mesmo erro que a maioria.

Porém, ao Liderar, você faz uma das piores coisas que existe: você erra sozinho. Você não erra com sua equipe, você não erra com seus pares. Você erra sozinho. Você toma decisões que afeta a vida de outras pessoas, mas digere isso sozinho. Seus pares são outros gerentes e potencialmente líderes, e por mais confiáveis que sejam, eles têm um dever com a companhia. Não com você.

Curiosamente, a Liderança faz o líder ficar no meio das pessoas para ficar sozinho ali.

As Alegrias do Cargo

Não comentarei muito aqui neste artigo, até porque isto foge um pouco do tema. Mas sim, existem alegrias neste cargo. Não vou citar conquistas, bater metas, nada disso. Liderar é sobre pessoas. Vou citar as minhas gratificações:

  • Receber um e-mail de um ex-liderado pedindo dica, dando recomendação ou, o melhor de todos, agradecendo;
  • Poder contar com o antigo time como se fossem colegas, em função das carreiras terem mudado;
  • Deixar o time triste com sua saída, mas preparado para enfrenta adversidades;
  • Descobrir, anos depois de ter saído, que o time preserva e melhorou aquilo que você deixou;
  • Ouvir que o resultado do seu trabalho como orientador foi um diferencial na carreira das pessoas;
  • E saber que as pessoas repetem as suas frases de efeito. Minhas, já soube de duas:
    • Tudo que estiver pronto, vende;
    • Quem quer carregar o mundo não transporta um balde de pedra.

A Liderança até é um local solitário, porém, fazer a diferença é tudo.

Conclusão

Nem sempre você vai querer lidar com aspectos humanos. Tudo bem. Muitas vezes, um desenvolvedor pode ser extremamente feliz em cuidar de suas questões técnicas e correr de tudo quanto é burocracia porque ele está trabalhando naquilo que gosta.

Essa gana por liderança é extremamente estimulada e, como qualquer ferramenta de redução de custos, vai ser sempre usada como artigo de venda e sempre terá público cativo, como qualquer ferramenta que promete dinheiro. Os esquemas de pirâmide não funcionam? Funcionam! Portanto, vender um curso de liderança que até agregue algo ao sujeito, como algo que pode ser aprendido independente do gosto do sujeito pela coisa, não parece tão embuste assim.

Mas se topar ser um líder, se acha que leva jeito, a pergunta que eu sempre faço aos desenvolvedores ou aqueles que estão interessados em assumir um papel gerencial: por que você quer isso e, mais importante do que tudo, o que faria se conseguisse?

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Sobre rftafas 183 Artigos
Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.
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