Microeletrônica no Brasil. A cisma em não ter produto.

Eu, que sou do meio, não me surpreendi nem um pouco. Vamos a alguns fatos: a Microeletrônica NUNCA nasceu como indústria por aqui, portanto, nunca morreu.

Eu vi recentemente muita gente assustada ao ler esta reportagem no Terra. Na verdade, o Terra se isenta e diz que o conteúdo é do site DINO.

Quando falamos em chip Brasileiro…

Para começar, vamos ver como anda o tema nos “trend topics”:

 

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Começamos mal… Mas não vamos tomar conclusões precipitadas… Vamos fazer um nivelamento aqui.

Uma indústria sem fábrica

Vamos a uma questão muito primordial do segundo setor: você compra matéria prima, trabalha ela, produz algo e vende. Você compra terreno e tijolos e fabrica casas para vender. Compra farinha e ovos e vende pães. Nestes casos, a relação entre produção e produto é direta.

Como o mundo ficou complexo, nem sempre produzir é sinônimo de deter o produto: um mesmo torno, por exemplo, pode fazer um pé de corrimão em madeira ou um eixo de carro em aço. Detém o produto quem tiver as medidas para tais resultados; detém o processo o dono do torno.

Isso aconteceu também com a Microeletrônica. Houve uma separação clara dentro das empresas entre a parte de processo e fabricação (a foundry, equivalente ao torno) com a de projeto de chips (a parte que projetou a peça que iria ser feita no torno).

Como uma mesma máquina pode produzir milhares de chips diferentes, então porque não especializar-se em apenas fabricar chips para os outros? Pois é. Isso aconteceu. Tanto que conforme este report de 2014, 91% dos negócios de fabricação de chip estão nas mãos de 13 empresas.

E, de quebra, esse povo passou a ter capacidade de fabricação disponível para vender. E teve gente que queria fabricar chip mas não tinha dinheiro ou investimento para montar uma fábrica e passou a comprar este tempo ocioso. A isso damos o nome de “Fabless“. A maioria da indústria de microeletrônica no Brasil é FABLESS.

Fabless Semiconductor Companies

Ou porque se preocupar com a fabricação de chips se podemos viver apenas de fazer algo para os engenheiros usarem em seus produtos?

Quem detém o projeto do chip detém o produto, quem detém o processo detém a fabricação deste produto. Claro que há forte interação entre a empresa de projeto e a empresa de fabricação. Contudo, no final das contas, uma empresa pode mudar a fabricação do seu chip do lugar A para o B, se ambos tiverem processos equivalentes.

Claro que não é algo simples que pode ser feito do dia para a noite, mas é, de fato, algo que pode ser feito.

Não é preciso fabricar chips para ter uma indústria Microeletrônica.

Se existe uma fábrica que só fabrica e não tem produto, uma fábrica que tem produto mas não fabrica, pode haver alguém que tenha produto mas não venda diretamente? Alguém que só projete e venda estes projetos?.

Sim, tem. E é um negócio lucrativo. A estes dá-se o nome de Design House, ou seja, “casa de projetos”, em uma tradução mais conveniente (e não ao pé da letra). Os modelos de negócios destas empresas , principalmente, são um dos dois:

  • Projetar partes de chip (cores) para vender para outras empresas de chip (a ARM é uma delas, ela vende o “core ARM”, que está no seu celular.)
  • Projetar chips inteiros para alguém fabricar em alguma Foundry.

Agora eu lhes pergunto: se a maioria das empresas é FABLESS, que grandes investimentos além de computadores, licenças de ferramentas de software e pessoal são necessários para fazer um bom chip? A resposta é: nenhum. Chegamos no problema.

Qual é o nosso problema?

Em contas de padaria, dá para chutar existe apenas uma foundry para cada 300 milhões de pessoas NO MUNDO. Portanto, não existe muito motivo para termos essa fixação por fabricar chips aqui: dane-se onde vai se fabricar o chip, o principal é iniciar pelo projeto destes chips, já que ainda não temos gente suficiente para ocupar uma foundry inteira.

Se foundry não é o dilema, pois vários países com indústria microeletrônica saudável não fabricam os próprios chips, qual seria nosso real problema? Por que nossa indústria não decola?

Olha isso.

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O Ceitec foi a bola da vez para o Google. Para quem não sabe, o Ceitec é uma empresa estatal que se sustenta com o dinheiro de quem paga impostos, pois possui patrimônio líquido negativo. Comentários:

  • Começa a Fabricar em 2012, mas infelizmente não chegou ao mercado normal.
  • Se emitem 200 milhoes de cartões, mercado existe… Porque não fazer?
  • (o link da lista está abaixo)
  • Criamos o chip mais avançado. Mas nunca vi ele disponível para comprar.
  • Intensifica a produção… Mas na primeira notícia comentou que iria começar. E agora?

Productless Semiconductor Company

Está aí uma coisa que eu juro que não consigo entender neste país. A mania de fazer coisas que não geram nenhum “entregável“. Igual a (vergonhosa) participação brasileira na ISS. Não entregamos nada.

Portanto, com microeletrônica não seria diferente. Estamos insistindo no modelo “Productless Semiconductor Company”. Se tivermos uma foundry, não duvido que tenhamos o “Serviceless Foundry”.

A MAIORIA DOS PLAYERS NUNCA LANÇOU UM CHIP COMERCIAL. Ou, pelo menos, chips que as empresas que fabricam produtos eletrônicos por aqui podem usar. Só fazemos CI de aplicação específica para projetos específicos.

Nenhum chip que vá em celular, nenhum chip que vá em sistemas de iluminação, chip que vai em calculadora, nenhum processador… Nada. Você, que é do ramo de embarcados, viu ou ficou sabendo, tem algum amigo que trabalhou ou qualquer tipo de notícia sobre algum chip comercializado por alguma empresa brasileira? Não?

Pois é. Por isso deu errado.

E a reportagem comenta exatamente isto. De uma design house que contribuiu para um chip de satélite russo. Eu não compro chips de satélite russo. Você também não faz isso.

A grande maioria das empresas de microeletrônica no Brasil nunca se preocupou em ter algum produto comercialmente viável. Sempre foram produtos com objetivo de “mudar o mundo”, ou alguma aplicação absurdamente específica, mas que não saiam direito do papel e com pouco ou nenhum apelo comercial.

Soube de muita empresa de microeletrônica que arrecadou grandes fundos da Finep e, no final de anos, não tem nenhum chip para mandar produzir. Culpa da complexidade? Falta de mão de obra? Ou total falta de interesse de ganhar o mercado, já que viver de projeto é melhor e com menos risco?

Se esta indústria sobreviveu todos estes anos sem vender nenhum produto e tiveram dinheiro, este dinheiro de investimento existiu. Portanto, o incentivo existiu. O que não existiu foi o produto. Nem o serviço. E já se conseguiu fazer de tudo em matéria de negócio, menos vender algo que não existe.

Na verdade esse modelo de negócios até existe no Brasil… Mas não dura muito. É o que estamos vendo. Um dia o dinheiro acaba.

Nem tudo está perdido… Mas não quer dizer muita coisa.

Este artigo apareceu na pesquisa. Resolvi dar uma lida nele… E pensar em algumas outras iniciativas que tenho notícia. Removendo os cadáveres, museus e empresas da antiguidade, muitas que já nem estão mais mexendo com microeletrônica, temos, de certa forma, algum mercado…

Eu novamente pergunto: cadê o produto? Cadê o serviço?

Há algo, mas ainda nada muito promissor… Pois para dar certo, uma vez que iniciar é preciso dar dinheiro. A fabricação de chips é algo que adere diretamente à leis de oferta e procura: não interessa quando valor agregado existe em um chip, se ele não tiver aplicação, ele não vale nada.

É difícil encontrar listas de produtos, datasheets e etc nos poucos produtos da nossa indústria microeletrônica. É o caso em que vender é um problema. Nossa indústria é muito focada em projetos especiais, os quais não ganham volume. Sem escala não tem como atingir massa crítica. O que acontece são projetos pontuais, sem grande impacto no mercado. Uma pena: existem cabeças geniais dentro destas empresas…

Conclusão

Enquanto nosso modelo de indústria microeletrônica for um modelo baseado e construído para viver de dinheiro do governo, nunca iremos atrair investimentos, nunca estaremos com produtos viáveis e só estaremos nas oportunidades em que se valoriza mais o projeto do que o produto…

Eu até entendo que o governo queira criar uma massa de mão de obra para atrair empresas para cá, mas não deu muito certo. As iniciativas dependentes de Governo nos trouxeram até o lugar em que nos encontramos: acabou o dinheiro de incentivo, acabou a indústria. Culpa do governo? Numa das raras vezes que vou isentar o Governo de algo, creio que não. Houve muito dinheiro de bolsa, isenção fiscal e incentivo. Só em bolsas de pesquisa, pelo que pude apurar, mais de 100 milhões.

Algumas iniciativas  tendem a ser trabalho mais sério, focam no sentido de colocar algo para ser vendido e usado em produtos. É esse o caminho. Um chip, por si só, não faz nada e não vale nada. Sua importância depende de sua aplicação e é isso o que falta ao Brasil: o conceito de aplicar as coisas.

Eu sempre digo: nós gostamos apenas de inventar. Mas detestamos inovar ou, num escopo mais amplo, produzir. Aqui, qualquer empresa que produz algo é vista como um engenho que só serve para explorar pessoas. Ao passo que o nobre inventor sempre será apreciado por seu brilhantismo, mesmo que não tenha resultado nenhum.

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Sobre rftafas 183 Artigos
Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.
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Dionísio Carvalho
7 anos atrás

Muito bom seu texto. Tocou no ponto que eu acho central. Sempre achei que a cadeia de produção da microeletronica no Brasil não fecha porque não há ponte entre produto e consumo. Ninguém pensa em consumir um produto micro/eletrônico produzido no Brasil. Sim, até existe (http://www.lsitec.org.br/newsletters/julho-novembro-2012/destaque.html), (http://www.ci-brasil.gov.br/index.php/pt/noticias2)  porém não estão no mercado =/. Muito além de fazer : ” produtos com objetivo de “mudar o mundo”” , faz-se OURO DE PRATELEIRA ( ouvi esse termo de um cliente uma vez). Isso porque um projeto que deveria ter durado 2 anos, durou 4. Perdeu a janela de negócio. O cliente já… Read more »