Hardware e Propriedade: porque as empresas precisam desenvolver.

Vale a pena fabricar hardware próprio, com tanta alternativa por aí?

A maioria das pessoas fora do mercado de tecnologia entende muito mais facilmente o mercado de hardware, ou seja, coisas que se vende, do que de software.

Vender software sempre foi uma coisa tão difícil que as empresas fabricantes de software estão se vendo muito mais bem sucedidas usando modelos SAAS (software as a service) do que vendendo uma caixa com o CD dentro. Muitas até insistiram neste modelo, pois um colateral dele é fazer programas de computador mais parecidos com objetos comprados.

Mas essa realidade e esta percepção de compra é muito diferente da percepção de quem fabrica software. Nem sempre empresas de software avaliam os desafios, e não são poucos, de desenvolver algum tipo de SAAS mas que demande uma peça de hardware.

Esse desentendimento leva a problemas. Vamos mitigar alguns…

NRE

NRE significa Non-recurring engineering. Muita gente já ouviu, mas, na prática, nunca parou para pensar do impacto do NRE nos custos de um produto.

Inclui-se no NRE valores como custos de montagem e fabricação de protótipos, treinamentos, salários, licenças, ferramentas e etc. Em outras palavras, quanto custa para uma empresa desenvolver um produto, levando todos os custos na ponta do lápis.

Não é algo comum no Brasil, por mais que se conheça isso. A maioria das empresas, até por força de justificar incentivos, aloca recursos de engenharia como um custo fixo, sem considerar quanto cada projeto individualmente custa. Uma empresa em andamento, por exemplo, contrata pessoas baseado no fluxo de caixa e aloca os custos de engenharia e desenvolvimento como custos de insumo.

Mensalmente e usando esta filosofia de alocação de custos, muitas empresas não enxergam o quanto investiram – ou desperdiçaram – em um determinado projeto. Para se ter uma noção:

  • Um engenheiro sênior de salário nominal de R$8500 custa em torno de R$200.000,00 anuais.
  • Uma Rodada de protótipos para algo barato custará em torno de R$10.000,00.
  • Custo total do projeto (NRE): R$210.000,00

Para muitos, isso parece muito dinheiro para ser jogado fora. Porém, quando esse gasto gera uma economia maior, graças a incentivos, vemos que há muita gente jogando este dinheiro no ralo.

Custo Unitário

Custo unitário já é outra coisa. Somadas as peças e o gasto com produção, logística (de entrada e saída) e mais os impostos, se tem o custo unitário por peça. Sobre este se definirá um preço. O chute padrão é vender ao dobro do custo unitário.

Em tese, seria este o custo final de um produto que não precisou ser desenvolvido. Como isso não existe, pois todos os produtos precisaram ser desenvolvidos, há um fator que não entra em consideração para a maioria das empresas: o custo de desenvolvimento.

NRE e Custo Unitário por Volume

Após este breve nivelamento, apesar de ser pouco diferente do que normalmente é praticado, conclui-se que NRE e Custo Unitário são fundamentais para precificar, verdadeiramente sem chutes, um produto. Com o aumento de volume, o custo unitário tende a cair e o NRE tende a diluir. Algo como os gráficos abaixo:

Porque ressalto estar curvas? Pois quem vem do universo de software normalmente argumenta:

  • Para que fazer o meu se posso usar uma solução pronta?
  • Para que perder tempo se tenho hardware (Beagle Bone, RaspPy…) à mão de forma acessível?

E por aí vai. Esse pensamento parte do princípio de como software aloca mais unidades vendidas (mesmo aqueles em cloud obedecem uma função parecida):

Uma vez lançado, um portal pode adicionar centenas de usuários sem custo extra além do NRE e de custos operacionais padrão, que oscilam pouco (energia, por exemplo). Quando dá um salto de estrutura, passa a poder alocar mais milhões de usuários. Esse salto é sempre avaliado como NRE, portanto, não é insano pensar que o custo unitário é sempre zero.

É aí que reside o problema.

Como Hardware Escala em Volume

Veja o custo unitário do hardware e o de um serviço de software:

Note que o hardware tem redução de custo, mas nunca chega a zero. Já os custos de software passam a custar cada vez menos, ao ponto que é irrelevante o custo adicional de um usuário ou unidade vendida. Com isso, avaliando o investimento total de produção de sistemas de software, temos uma curva de investimento e produção mais ou menos assim:

Ok, tem o opex, que é o custo operacional. Mas este, dividido pelo numero de usuários, tende a zero sempre. Portanto, não é a adição de novos usuários e sim, o NRE que determina realmente os custos de venda de novas unidades de software, de licença ou adição de usuários. Agora a curva do hardware não é assim.

A Foxconn, quando fabrica um Iphone para a Apple não redime o preço pois “a Apple já fabricou milhares de Iphones. Então agora não tem custo.” Não é assim. Cada unidade de Iphone tem custo.

O problema de Escalar Hardware em Volume

E aí vem o problema de escalar hardware.

Vamos supor que um determinado produto use uma determinada solução pronta que custe R$ 300.

  • Se vender 1, o custo é R$300.
  • Se vender 10, o custo é R$3000.
  • Se vender 100, é R$30.000
  • Se vender 1000, é R$300.000

Normalmente, uma solução de IOT que tenha apenas 1000 pontos de acesso não sustenta nenhuma empresa. Empurrar um custo de instalação de R$300 ou mais em muitos usuários pode soar muito mal. Imobilizar esse ativo é tenebroso e não imobilizar é prejuízo.

Muitas vezes, o mesmo produto, desenvolvido em casa, pode custar metade ou talvez menos que isso. Então a escala muda muito. E cria o Grande dilema de se vender algum hardware: projetar ou comprar pronto?

A Solução

Não existe bala de prata e tudo depende do caso. O que precisa ser pensado é exatamente isso: quando é melhor usar um ou outro?

Supondo que exista hardware de prateleira que possa ser usado por alguém em uma aplicação, sempre convém pensar antes o quanto se precisa escalar uma determinada aplicação para que esta tal aplicação seja lucrativa.

Muito rapidamente, ao comparar o custo do NRE contra a realidade acima, rapidamente o NRE é superado pelos custos de produção. Acaba valendo a pena fazer um hardware próprio e usar soluções de prateleira para reduzir riscos de prototipação, para agilizar a introdução de novos produtos (mesmo que sejam vendidos com prejuízo para ajudar a entender o mercado).

Veja: no exemplo acima, 2000 unidades pagariam dois engenheiros: 1 de hardware e 1 de software…

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Sobre rftafas 183 Artigos
Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.
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