O Mercado de Esmolas.

Eu digo que a inovação está em todos os lugares. De fato, está mesmo. Até no mercado de Esmolas…

Não tenho por hábito escrever sobre causas sociais: eu acredito que a melhor causa social de qualquer ser humano é agregar valor a tudo que faz. Mas me aconteceu algo que me fez começar a pensar.

Eu estava no semáforo. Havia um cara pedindo dinheiro, um vendendo Kit-kat e outro, vendendo balas. Eu havia presenciado os três discutindo sobre o “ponto”. O baleiro disse: “cara, é melhor com balas.” Então, comecei a analisar…

O Mercado de Esmolas

Nem no mercado de esmolas existe a possibilidade de ficar fazendo a mesma coisa. Parece cruel tudo que comentarei neste texto, mas deixada de lado (se é que isso é possível) a questão social, veremos que nesse mercado temos o mesmo problema de vários outros mercados concorridos. Nele, a inovação também é importante.

Correto ou não, pedir esmolas significa receber dinheiro por estar em uma condição ruim, através da provocação de uma reação empática de quem pode doar. Alguns argumentam não ter saída, outros argumentam falta de incentivo social. No resumo, pedir esmolas é feito por quem se julga fora de condições de trabalhar (seja por motivo nobre ou não-nobre). Repito: avaliar as questões sociais que levam alguém a pedir esmolas não é o objetivo aqui. Avaliaremos o “mercado” da esmola.

Há um mercado de Esmolas.

Quer justifique, quer não, há sim um mercado de pessoas que pedem dinheiro.

Há uma necessidade: alguém precisa de dinheiro (um recurso) seja lá para que fim. Este é o pedinte, ou o vendedor. Há um comprador, que é quem doa a esmola. É o doador, ou comprador.

Tem vendedor, tem comprador. Cadê o produto? Costumo avaliar mercados pela existência de produtos. Há um produto implícito: o pedinte vende ao doador um pouco de consciência tranquila. “Você me deu esmolas, você fez sua parte”. Quem dá esmolas o faz “para amenizar a situação”, o que, no fundo, é pensar que “fez algo por alguém”. (Efetivo ou não, não é mérito deste artigo julgar).

Se há mercado…

Pedir esmolas não é algo inovador. Isso já existe faz muito tempo. Há relatos bíblicos, gregos e etc. Então quem entra, independente do motivo, no mercado de esmolas, não está inventando. Não inova quem pede esmolas por seus filhos, ou pior, que usa seus filhos para pedir esmolas (isso até crime é; e toda vez que você dá esmolas a uma criança, você é cúmplice).

Já se usou ameaça (eu poderia estar roubando), doença, fome (normalmente perto de restaurantes), calor (me vê um copo de água, água não se nega), e até sinceridade: tinha um cara em Nova Yorque pedindo dinheiro para comprar maconha “Why Lie?” dizia o banner dele; sei de casos parecidos de pedir dinheiro para comprar pinga…

Money for Weed: Why lie?

Teve a moda dos malabares, contar piadas, vender comida (chocolate) superfaturada “para ajudar”,… Mas por que as estratégias de solicitação de esmolas mudam? Porque há competição. E a inovação é que faz alguém se diferenciar dos seus concorrentes.

…há inovação para combater os competidores…

Curiosamente, uma das inovações no setor de esmolas para combater o efeito da difusão do ar condicionado nos carros (vidros fechados) foi os saquinhos de bala “me ajude pois estou trabalhando”. Eu explico:

Com o advento do ar condicionado, ficou mais difícil chegar ao consumidor e mostrar a situação complicada em que o pedinte encontra. Porém, ao deixar o pacote de balas no retrovisor, você obriga o motorista a ler. Isso aumenta as chances de comoção. E de assegurar a venda da mercadoria.

Então alguém teve a ideia de por papeis com recados nos retrovisores. Já não é nova a ideia de vender mercadoria com overpricing com fins de colaboração. Alguém juntou isso e fabricou pacotes de bala com papel dentro.

…portanto, não é uma cadeia pequena.

Então chego ao meu ponto. Alguém, independente dos motivos, deixou um pacote de balas no meu retrovisor. Havia um pedaço de papel, fotocopiado (xerocado) com os dizeres de sempre. Com o preço de sempre. Balas que eu não reconhecia a marca. Porém, algo me chamou a atenção: o saquinho.

Aquele saquinho de bala não era rudimentar. Era bem feito. Feito por uma máquina. Passei a me perguntar:

“Teria este pedinte comprado maquinário para fabricar pacotes de bala para revender no semáforo?”

Não, provavelmente não. Alguém estava fabricando aquilo. E ele estava revendendo. Percebi, muito triste, que o mercado de esmolas havia se tornado um mercado sofisticado, com cadeia produtiva no qual a inovação também é fundamental. Já, há muito tempo, deixou de ser um mercado em que alguém se resignava da dignidade para pedir dinheiro. Como os próprios papéis diziam, virou um verdadeiro mercado de venda de balas e de alívio de consciência, com fornecedor, inclusive.

Ainda triste, me pergunto: será que há medida de performance?

Mas como o próprio papel dizia: “não estou pedindo, estou trabalhando com a ajuda de Deus“. E, de fato, aquilo é um trabalho. Então não dá para simplesmente dizer que são esmolas…

O mercado de esmolas inovou com a venda de balas. Com os malabares. Com a limpeza de para-brisas; neste, nem mais o balde com água os caras usam, agora mal passam um pano. O serviço perdeu qualidade!!! Será que vão contratar uma consultoria?

É um verdadeiro multimercado. Para quem me acha frio, ao analisar isso, eu explico: decidi escrever este artigo quando, em um semáforo, fui abordado da seguinte forma:

Quer kit-kat por cinco? Limpeza de vidro? Tem uma moeda aí doutor, estou com fome e doente e tenho filhos para criar!

E o SEU mercado?

Se até quem pede esmolas foi forçado a melhorar seus processos e inovar, me pergunto, porque tanta empresa não inova ou, pior, anda para trás. Eu entendo que é a necessidade que forçou o mercado de esmolas a evoluir. É o mesmo em qualquer mercado.

Vale como um exemplo para sua carreira.

Um ponto de vista pessoal…

Não sou alheio a realidade. Eu não acredito em esmolas, mas acredito que se eu tentar passar tudo o que sei e que considero correto, estou ajudando a cadeia inteira. Se eu conseguir fazer um leitor ser um profissional melhor, sabe-se lá o que de bom ele vai fazer na carreira dele.

Responsabilidade social é basicamente isso: ser uma pessoa produtiva na sociedade. Se eu inventar algo que melhore a vida das pessoas e venha a cobrar por isso, por que, não? O cara que tornou as balas mais apresentáveis, seria ele um explorador? Ou estaria ele ajudando quem vende, a ter um produto melhor apresentado?

Por isso que eu sempre digo: agregue valor a tudo o que você fizer e você estará ajudando toda uma cadeia. Em algum momento, isso faz o mundo ficar um pouco melhor.

 

 

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Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.

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