Certificar ou Regulamentar?

Com tanta tecnologia disruptiva por aí, jamais podemos nos esquecer do maior stakeholder de todos os projetos: o Governo. Como será que ele vai lidar com isso?

Uma Ideia Equivocada…

Vou confessar uma asneira minha aqui.

Um dia, com minha equipe, eu comentei que a profissão de desenvolvedor (na época de Microcontroladores e FPGA) deveria, de alguma forma, ser regulamentada. Afinal, a universidade, nem as melhores, era mais suficiente para atestar qualidade.

Tem mais outra: como dizer que um produto é bom de fato? Deveria ter uma empresa que peneirasse os departamentos de desenvolvimento para garantir que apenas caras bons fizeram um produto. Regulamentar era a chave!

Eu estava redondamente enganado e, ao mesmo tempo, muito correto. Mas há um problema de escolha de palavras aqui: eu quis dizer CERTIFICAR no lugar de REGULAMENTAR. Alguma empresa poderia certificar que os produtos fabricados pela outra eram bons e foram desenvolvidas por caras bons.

Quanto a regular, eu jamais acreditei que órgãos do governo conseguirão acompanhar o mundo tecnológico. Essa premissa se mantém válida.

Regulamentar x Certificar

Dicionário sobre nós. Regulamentar é…

re·gu·la·men·tar(regulamento + -ar)

verbo transitivo
  1. Fazer regulamento a.
  2. Estabelecer regulamento ou norma em. = REGULARDESREGULAMENTAR, DESREGULAR
…e certificar é…

cer·ti·fi·car

verbo transitivo
  1. Declarar certo.
  2. Asseverar.
  3. Convencer.

O que pode ser entendido disto? Bom, há uma diferença muito grande entre criar regras para uma determinada atividade ou definir que determinada atividade está certa.

Isso vem a ser muito importante para o mercado e, principalmente, para tecnologia. Seria ideal que novas tecnologias fossem regulamentadas? Ou será que simples certificação seria suficiente?

Mas mais fundamental que isso… O quão mais avançadas ficam as tecnologias, menor a quantidade de gente que realmente entende de como ela funciona…

A Burocracia e o Medo

A tendência de um burocrata é sempre optar pelo caminho mais seguro aparente. De certa forma, isso é interessante, porém, se hoje dissermos que venderemos um dispositivo que tem algumas centenas de volts dentro e dispara um raio de alta potência na direção do usuário, certamente seria proibido.

O nome desse dispositivo é “tubo de raios catódicos” e ornou os televisores até poucos anos atrás.

Veja, é muito difícil para órgãos burocráticos (leia-se: os governos) acompanharem as tendências tecnológicas. Até uma lei ser aprovada, uma regulamentação ser definida, pode-se inundar o mercado com algum produto porcaria. Então, entramos em um ritmo de “o que não é permitido é proibido”. E deveria ser o contrário…

Agências Estatais não Certificam.

Isso mesmo. Todo mundo sabe de produtos “certificados” para estar de acordo com algum regulamento. Só por isso. No fundo, tal certificado não tem nem efeito social, nem técnico, nem ecológico. Ou seja, só serve para adequar um produto a uma lei. E lei é lei, faça ela sentido, ou não.

Leis não determinam a qualidade (qualidade, no sentido de ser bom ou ruim) de um produto: pense nas leis para certificar um celular. O mesmo celular ruim é certificado pela Anatel, tal qual um Iphone. Então que valor tem este certificado? Exclusivamente legal: um produto bom e uma porcaria podem compartilhar as prateleiras.

Mas aí você me pergunta: “e a ISO? Minha empresa é certificada, mas é tudo faz de conta para a certificação.”

Bom, o nome disso é FRAUDE. E não há certificado ou regulamento imune a isso…

Você já acredita em Certificados!

Garanto que mais pessoas escolheram restaurantes pelo Guia 4 Rodas que pela certificação do estabelecimento na Anvisa. Garanto que já comprou coisas pela marca, sem nem ligar se tem certificado do Inmetro ou não.

Mais exemplos? PMP, Green Belt, Lean, ISO, ITIL… Tudo certificado. Nada regulamentado. Daria para estender esta ideia para praticamente todas as áreas, da medicina a engenharia e, como é hoje já em alguns setores, em desenvolvimento.

Certamente, as pessoas teriam tendência a buscar profissionais dotados de bons certificados. Tal qual a algum tempo atrás eram as universidades…

E as vezes nem precisa deles.

Nem sempre é necessário um regulamento. A Internet, que você usa, segue recomendações do IETF. Não há lei sobre a internet (apesar de que nosso governo tentou na ONU enfiar regra nela). As vezes, o simples desejo em ser compatível para explorar um mercado pode ser suficiente para as pessoas seguirem algum padrão. Exemplos:

  • IEEE802.3 (simplificando muito, a porta de rede do seu PC e do roteador), não é lei, mas todo mundo segue.
  • Normas ITU-T também, em tese, não.
  • Plataforma PC

Por que certificações são bons para Tecnologias Disruptivas?

A grande expressão do momento. Acompanhada de start up então, forma uma coisa muito ágil e dificílima de acompanhar. Empresas adoram investir em start ups. Todo mundo pensa em montar uma start up. Melhor ainda se vier com alguma tecnologia para mudar o mundo… Só que tem um problema.

Existe a barreira da regulamentação.

Se um dia você inventar o teletransporte, pode ter certeza que não poderá operá-lo, pois é algo não regulamentado. E ai? Como fica sua invenção? Parada.

Portanto, é muito mais inteligente para quem quer realmente inovar que prefira confiar mais em certificados emitidos por empresas terceirizadas do que por regulamentos outorgados por governos. Assim, ao lançar algo novo, uma empresa isenta diz que aquilo, de fato, é bom. Quase como se fosse uma fiança: a empresa coloca sua reputação como garantidor da qualidade de algo.

Por esta postura, a inovação agradece.

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Sobre rftafas 183 Artigos
Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.
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