Algumas situações escalam muito rápido e não dá tempo de chegar até alguém que possa, realmente, fazer alguma coisa. Aí se tem um incidente infeliz…
Recentemente, os casos das companhias aéreas americanas arrastando pessoas, vendendo o ticket alheio e coisas do tipo me faz imaginar que só há um motivo para uma desgraça deste tamanho: uma cadeia de comando longa, com muitos gerentes sem nenhum poder.
Pode parecer bobagem, mas… Eu tenho um exemplo.
Chernobyl
Não me interessa o que digam. Toda vez que vejo um documentário sobre Chernobyl, eu acho que é tudo mentira. Na pressão por resultados, eu imagino a conversa:
-Precisamos desligar o reator.
-Mas nos deram uma ordem expressa de não fazer isso mesmo que a droga exploda.
-Bom, mas vai dar xabú, então aciona o supervisor.
O supervisor precisa entender a situação. Ciente, aciona o coordenador, que precisa entender a situação. Ciente, aciona o gerente que precisa entender a situação. Ciente, precisa acionar o diretor…
Não deu tempo. O reator explodiu.
Culpa do técnico, que não teve proatividade e ownership, e mais um caminhão de asneiras para isentar uma cadeia estúpida de comando.
Ok, não é um reator nuclear. Mas quer coisa mais explosiva que um cliente insatisfeito ou injustiçado?
Ai alguém pensa: não é possível isso. Se minha empresa estiver pegando fogo, vou poder usar o extintor.
Ah, é? Eu duvido. Conheço gente que já recebeu ordens parecidas em linhas de produção: “só pare se for explodir”. Manutenções e etc são totalmente negligenciadas durante tais períodos. Isso vai acumulando e, um dia, a usina explode.
O Caso dos 1000 reais
Isso acontece mais próximo do que se imagina. Até na empresa que você trabalha. Faca o teste. Tente comprar algo de 1000 reais. Pode ser um software, um curso ou uma ferramenta. Um editor de texto, que seja.
Creio que muito leitor trabalha em empresa que fatura na cifra de milhões. Portanto, mil reais não é algo “impagável”. É trágico o quão alto se deve chegar na hierarquia para se assinar uma ordem de compra deste tamanho. Agora imagine em uma aérea que, para suavizar o problema de um cliente com problema durante o embarque, tenha que escalar até chegar em alguém que possa, de fato, resolver o problema?
E não dá tempo. O avião precisa decolar.
Pois é. A essa patologia eu chamo de a “metodologia para delegação de culpa”
Sabe o que é isso?
A metodologia de delegação de culpa é uma verdadeira técnica gerencial. Eu já me questiono se isso é uma patologia ou é uma cultura. Isso é o sintoma maior de que a empresa não confia no julgamento dos seus funcionários. Nem dos seus gestores.
Curiosamente, estas mesmas empresas deixam coisas muito mais importantes, como entrevistas e contratação, na mão destes mesmos gerentes que julgam incapazes de assinar uma simples ordens de compras.
Empresas como estas reagem mal ao mercado. Reclamam dos concorrentes que violentamente aparecem com preços melhores. “É dumping”, dizem. Produtos melhores. “Estão importando”. Ou “os chineses queimam preço”.
Empowerment e delegar culpa.
Empowerment é justamente o oposto disso. É dar aos funcionários a capacidade de decidir, por eles mesmos, a condução do seu trabalho. Dar a eles o poder de decisão. Deixar o gestor decidir a organização de sua estrutura. Mas, principalmente, dar os recursos para fazer isso.
Empowerment é uma palavra bonita, mas difícil de praticar. É muito fácil praticar empowerment sem recurso. Isso, na verdade, se chama delegar culpa, como já citei: se tudo der certo, ok, ótimo. Mas se der errado, problema do funcionário.
“Mas ele poderia ter avisado ou escalado o assunto”
Essa frase é o resumo da ausência de empowerment: o funcionário tem total autonomia de só, e somente só, reportar problemas. Mas… Er… Isso não é parte do trabalho de qualquer um?
Curiosamente, não também.
Mas existe outra doença dentro das empresas, que é a total impossibilidade de transmitir notícias ruins, principalmente se tal noticia tiver que ser direcionada a algum diretor. É a lei fundamental da gerência:
Jamais leve um problema a um diretor.
Mas isso é tema para outro post.
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